terça-feira, 8 de março de 2011

ANDRÉA - IPAM

fonte: IPAM [09mar11]

http://www.ipam.org.br/revista/-Andrea-Azevedo-Amazonia-precisa-de-gestao-sustentavel/272


Andrea Azevedo: Amazônia precisa de gestão sustentável

Maura Campanili
Andrea Azevedo, pesquisadora do IPAM. (Foto: IPAM)
Cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Associação Brasileira de Ciência ( ABC) apresentaram um relatório, durante seminário da Frente Parlamentar Ambientalista, no final de fevereiro, onde mostram que, para garantir a conservação dos recursos naturais, a segurança da população urbana e a produtividade agropecuária brasileiros, as leis ambientais deveriam ser ainda mais restritivas do que as atuais e seu cumprimento exigido com muito mais firmeza.
Encaminhamentos recentes nos legislativos federal e estaduais, porém, têm caminhado no sentido contrário ao recomendado pela ciência. Segundo a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Andrea Azevedo, exemplos disso são o projeto de lei substitutivo ao atual Código Florestal, em discussão no Congresso Nacional, e a lei do Zoneamento Socioeconômico Ecológico do estado de Mato Grosso, no momento à espera de sanção ou veto do governador, também fruto de um projeto substitutivo que privilegia interesses de grupos, flexibiliza as restrições ambientais e diminui as áreas protegidas no Estado.
Doutora na área de desenvolvimento sustentável, Andrea, acredita que tanto o Código Florestal quando o ZSEE são fundamentais para se alcançar uma gestão sustentável, sobretudo na Amazônia, mas precisam estar conectados com as metas da Política Nacional de Mudanças Climáticas e serem instrumentos viáveis de governança voltada para o seu cumprimento.
Clima e Floresta – Como a iminente alteração no Código Florestal pode se transformar em oportunidade para o desenvolvimento da Amazônia?
Andrea Azevedo – O substitutivo atual parte de premissas erradas para alteração do Código Florestal. As principais são que é preciso desmatar para aumentar a produção agropecuária e que, se a lei não vem sendo cumprida, a solução é alterá-la. Isso não significa, porém, que a o Código Florestal não possa ser mudado, desde que seja para torná-lo um instrumento efetivo para implementar a Política Nacional de Mudanças Climáticas e as demais políticas ambientais brasileiras, como as relacionadas às unidades de conservação, recursos hídricos e controle do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Além disso, deve promover a redução da pobreza rural e estimular a competitividade do Brasil no cenário agrícola global. Tudo isso conectado à promoção da recuperação das áreas degradadas no campo por meio de estímulos econômicos adequados.
Clima e Floresta – Quais instrumentos poderiam ser incorporados ao Código Florestal para capacitá-lo a cumprir esses papéis?
Andrea – A partir dos 15 anos de experiência técnica e científica do IPAM trabalhando com muitos parceiros na região amazônica, defendemos que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) devem ser preservadas nos valores que a legislação atual determina, por serem extremamente importantes para manter a qualidade dos recursos hídricos, controlar a temperatura da água, mantendo o ecossistema aquático e terrestre em funcionamento. A consolidação de uso de APP deve ser uma exceção e não regra. Para estimular a recuperação dessas áreas, uma das formas é torná-las parte da Reserva Legal (RL) da propriedade, desde que obedecidos alguns critérios. O governo pode, ainda, criar mecanismos de financiamento atrelados à recuperação de APPs e considerar sua recomposição elegível para fins do mercado brasileiro de carbono, previsto na Política Nacional de Mudanças Climáticas. Outro ponto importante é que não pode haver anistia de recomposição de Reserva Legal, notadamente nas propriedades médias e grandes. Uma anistia ao passado cria incentivos ao descumprimento das leis ambientais no futuro. Defendemos, isso sim, é uma ampliação da abrangência e das possibilidades de compensação, como já dissemos, via incorporação da APP no cômputo da RL ou compensações no mesmo bioma, com estímulos para compensação dentro da mesma bacia. Essas compensações poderiam acontecer por meio de servidão florestal, unidades de compensação e restauração de áreas degradadas. Outro ponto superimportante é que reduzir RL por propriedade acima de quatro módulos rurais pode tornar o monitoramento ambiental rural muito difícil, porque cada propriedade teria um valor  diferente de reserva legalmente possível. Isso dificultará em demasia o trabalho dos órgãos governamentais, sob o risco de total ingovernabilidade.
Clima e Floresta – Esses mecanismos seriam válidos também para as pequenas propriedades, voltadas à agricultura familiar?
Andrea – O IPAM apóia a flexibilização da obrigação da Reserva Legal para o pequeno produtor, isentando da obrigação de constituir a RL para aqueles que possuam até 1 módulo fiscal, desde que isso não implique em novos desmatamentos. Isso inclui 60% dos produtores familiares do país e abrange menos de 5% do território nacional. A manutenção da APP, porém, é fundamental para que a agricultura familiar mantenha a qualidade da água, o que é imprescindível. Em relação aos agricultores entre 1 e 4 módulos fiscais, o governo deveria criar um programa nacional de agroflorestas visando apoiar a recomposição das RLs com produção de alimentos e de serviços ambientais. Outro mecanismo interessante seria haver uma conexão entre o Código Florestal e a PNMC, com um dispositivo determinando que a recomposição de APP e RL, assim como os mecanismos de compensação de RL em áreas desmatadas até julho de 2008, sejam considerados elegíveis para o mercado brasileiro de carbono.
Clima e Floresta – E em relação ao Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso, o que aconteceu durante a tramitação do projeto que resultou em uma lei que, se sancionada, pouco colaborará para incentivar a conservação ambiental no Estado?
Andrea – O ZSEE do Mato Grosso tem uma trajetória de aproximadamente 20 anos na elaboração de seus estudos, onde foram gastos cerca de R$ 34 milhões, além do envolvimento de técnicos e pesquisadores de várias instituições do Brasil. Ao ser levado à Assembleia Legislativa (AL) em 2004, porém, acabou arquivado por pressões do setor agropecuário. Em 2008, o projeto voltou à Assembleia a pedido do então governador Blairo Maggi e passou por ampla publicização e consulta por meio de seminários técnicos e 15 audiências públicas. Após o término das audiências, uma equipe foi contratada pela Assembleia para fazer a compilação do material e, com isso, foi proposto um substitutivo , que foi rejeitado pela comissão de zoneamento da AL e proposto um segundo substitutivo, duramente criticado pela sociedade civil, Ministério Público e algumas secretarias de governo. Após algumas revisões, foi proposto um terceiro substitutivo, que foi votado e aprovado em outubro de 2010, com a retirada de uma boa parte das áreas destinadas à proteção Mato Grosso.
Clima e Floresta – Quais foram as principais perdas no substitutivo aprovado?
Andrea – Foram retirados praticamente 57% das áreas de unidades de conservação propostas, 23,5% das áreas com alto potencial florestal e 81,8% das áreas com alto potencial hídrico. A maior parte dessas áreas foi remanejada para áreas consolidadas, aumentando essa categoria em 77% em média. As unidades de conservação no Mato Grosso, porém, representam apenas 4% da área do Estado (sem contar as Áreas de Proteção Ambiental), um dos menores percentuais da Amazônia Legal. Do substitutivo 1 para a lei aprovada, houve uma perda de 3,1 milhões de hectares de áreas com potencial para unidades de conservação.
Clima e Floresta – Se essa lei for sancionada, quais seriam os principais problemas para o Estado?
Andrea – A perda das zonas com elevado potencial florestal vai se refletir na desaceleração da economia baseada na floresta, de planos de manejo e de projetos de REDD, que poderiam ser desenvolvidos nessas áreas, além de propiciar o desmatamento. As zonas de elevado potencial hídrico eliminadas do texto estão localizadas em áreas essenciais para recargas dos principais aquíferos da região Centro Oeste e Amazonas. São áreas ao sul do Parque Indígena do Xingu e na região da Chapada dos Parecis. As áreas dentro dessa categoria poderiam, por exemplo, ter um algum tipo de incentivo especial para recuperação de APP, além de ser um diferencial econômico ter a propriedade rural em áreas “produtoras de água”. Outro potencial problema foi retirar da categoria de áreas protegidas 13 áreas indígenas em processo de homologação. Na prática, isso significa indicar para outras categorias de uso uma área que, se homologada, deverá ser desocupada, podendo intensificar os conflitos fundiários no Estado. Além disso, há controvérsias em relação à flexibilização da possibilidade de redução da Reserva Legal para 50% da propriedade para fins de recomposição, conforme prevê o atual Código Florestal, porque não foram estabelecidos nem locais, nem datas limites que podem ser feitas essas flexibilizações. Ou seja, da forma como está o texto, podem ser feitas em qualquer lugar do estado até o dia da edição da lei.  São problemas que podem ser agravados ainda mais dependendo do destino do próprio Código Florestal no Congresso Nacional.
Clima e Floresta – Como o IPAM tem se posicionado em relação ao processo de tramitação do ZSEE do Mato Grosso?
Andrea – Entre outras ações, o IPAM declarou publicamente (e ao governador) sua discordância da lei aprovada por meio de adesão ao Manifesto contra o substitutivo 3 do ZSEE. Realizou, ainda, reunião com políticos do Mato Grosso e tem conversado com movimentos sociais e ambientais sobre a necessidade do veto à lei, ressaltando pontos incoerentes com caminhos mais sustentáveis para o Estado. Além disso, está realizando estudos técnicos para indicar cenários a partir das alterações no solo (desmatamento) com a conseqüente alteração nas vazões dos rios, além da medição da quantidade de emissões de carbono que poderia acarretar se essa lei for sancionada.

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